na edição de hoje: uma peça, um podcast e um café pra chamar de meu.




dias depois de chegar a Nova York, fui almoçar com um colega e ele me disse que durante o primeiro ano morando aqui é normal você cair em pegadinhas pra turistas e gastar dinheiro com elas. ele completou: “depois você pega a manha e percebe as oportunidades”. parecia uma profecia. no sábado seguinte, eu acordei e fiquei deitada na cama do hotel, olhando pro teto e pensando sobre o que fazer da vida. de repente, me lembrei das tais oportunidades.
quando você faz uma mudança desse tamanho, é normal viver dias em que não sabe bem qual rumo tomar. o início é cheio de demandas que pedem calma e paciência pra serem resolvidas. ao lado delas, caminha toda a excitação pelo novo, que é urgente, claro. sem saber exatamente qual compasso seguir, às vezes, você trava.
eu travei naquele sábado. depois de uma pausa, lembrei das oportunidades. peguei o celular e pesquisei formas de comprar ingresso barato pra alguma peça da Broadway. não rolou nenhum bilhete premiado nos moldes que eu esperava, mas ao voltar à página do espetáculo que eu mais queria ver, apareceu um ingresso disponível. o único. era na última fileira de um teatro de arena que não parecia muito grande e o valor era o mais baixo de todos. comprei!
a oportunidade encontrou a turista encantada pela hipótese de ver atuar de perto um ator que ela admira. em 2021, depois de um dos vários picos de aclamação de Succession, eu li uma reportagem sobre Jeremy Strong que me marcou. no jargão jornalístico, chamamos de perfil esse tipo de texto, uma espécie de biografia. fiquei fascinada pela obsessão dele pelo ofício e pela trajetória profissional até assumir o que eu acho que é um dos personagens mais complexos - e controversos - das séries recentes, o Kendall Roy. pensar em sentar na plateia e observá-lo ao vivo transformou meu sábado travado num sábado promissor.
o que dizer, então, desse sábado que terminou com uma breve troca de palavras entre nós? eu soltei meia dúzia de elogios e agradecimentos pelo espetáculo - que amei! -, e ele foi educado e simpático em retorno. não sou impressionável por artistas famosos ou celebridades. o que fez essa experiência ser incrível foram a simplicidade e a grandiosidade dela; e a chance que ela me ofereceu de deixar de lado a racionalidade, que é tão minha parceira, e me emocionar com o fato de que, agora, eu vivo numa cidade que me oferece esse tipo de oportunidade. eu ainda vou cair em pegadinhas pra turitas, tenho certeza, (e tomara!) mas se elas vierem acompanhadas de encontros especiais, eu tô topando.
a peça em questão é An enemy of the people, que fica em cartaz no teatro Circle in the Square até meados de junho. também está no elenco o ator Michael Imperioli, conhecido pelas séries Sopranos e The White Lotus. o roteiro adaptado do texto consagrado de Henrik Ibsen (aqui, em inglês), do final do século XIX, é da dramaturga Amy Herzog. a direção é de Sam Gold, marido dela, e vencedor do prêmio Tony. essa é a primeira colaboração profissional deles.
o que aconteceria hoje diante de um alerta de risco iminente para existência da população mundial? ou melhor: o que acontece hoje, diariamente? o que aconteceu alguns anos atrás? quais interesses prevalecem? como a opinião pública se comporta sob a influência de diferentes poderes? mais de cem anos depois de escrito, esse espetáculo foi atualizado de forma que parece ter sido criado ontem.
dica: durante o intervalo, o acesso ao palco é liberado pra plateia. você pode assistir de lá o começo do segundo ato.
a partir de uma premissa bem básica, o espectador é levado a refletir sobre manipulações políticas, influências financeiras e abordagens midiáticas. Strong vive o dr. Thomas Stockmann. ele descobre uma contaminação grave na rede de águas da cidade, que pode levar a população a adoecer gravemente. Imperioli é o prefeito Peter Stockmann, e irmão do especialista. o conflito de interesses entre eles permeia toda a história e vai ser determinante pro desfecho.
o roteiro é bem costurado e explícito de uma forma que foge à obviedade. as atuações me deixaram de boca aberta. gosto muito do poder cênico, das camadas que só a experiência teatral proporciona. achei o espetáculo marcante e recomendo aos turista - ou não - que estiverem em NY!
inspiração da edição
“um recomeço cobra que a gente comunique aos outros que a gente tá recomeçando. não dá pra recomeçar sozinho. pra separar e começar um outro casamento, você tem que contar pros outros. pra mudar de emprego, você tem que contar pros outros. pra arrumar novos amigos, você tem que comunicar. e pra dizer, inclusive, que você virou outra pessoa, você precisa contar pros outros. e esse é um choque dificílimo que, inclusive, prende a gente a não recomeçar. (…) não tem recomeço sem rito de passagem.”
o trecho acima é uma fala do antropólogo Michel Alcoforado no episódio Recomeços (II), do podcast É noia minha, apresentado pela Camila Fremder. ela bateu um papo com o Michel e o ator Pedro Neschling sobre começar de novo, e as dores e delícias desse processo.
é claro que foram 50 minutos que caíram como uma luva pra mim e estão reverberando aqui há mais de uma semana, não preciso nem explicar muito. eu te convido a ouvir o episódio também pra entender como os recomeços estão mais presentes na nossa vida do que a gente se dá conta. e pra refletir sobre o papel desses processos.
um lugar para conhecer
eu tenho um certo apreço a rituais. e ouvir o podcast acima me fez ressignificar esse hábito, inclusive. sempre encarei meus momentos sagrados comigo mesma como meros alívios em meio ao caos da rotina. agora, penso que talvez sejam ritos diários um pouco mais importantes que isso.





uma das minhas primeiras providências depois da mudança foi tratar de encontrar um lugar aconchegante, com bom café, perto do trabalho. não foi um movimento racional, só aconteceu naturalmente e, quando eu notei, estava estabelecido o novo hábito. e ele tem sido um respiro relevante quando a mente e o corpo pedem arrego de cansaço. às vezes, são só 15 minutinhos observando funcionários e clientes. com sorte, fico um pouco mais, leio emails, folheio um livro, resolvo alguma pendência (são muitas!), organizo minimamente as ideias. esse meu canto tem sido o maman de Tribeca, que tem um croissant de pistache com chocolate imbatível.
obrigada pela companhia. eu volto quando der. essa newsletter ia sair na semana passada, mas não rolou. então, vou deixar o calendário por aqui em aberto e aparecer quando a vida permitir. com ou sem tempo. rs mas a meta é manter a frequência quinzenal. depois, a gente dobra a meta.
até o nosso próximo encontro “formal”, nós podemos nos falar lá em @vivi_dacosta. é onde eu compartilho mais sobre as minhas inspirações, a vida e as oportunidades que eu observo por aí.
encantada com as suas descobertas! esse ep do Podcast do Nóia Minha realmente é muito bom e também fiquei com ele no fundo do cérebro por algum tempo quando escutei. que "coincidências" e rituais deliciosos, Vivi! aproveita!!
agora tá mais difícil de curtir as dicas, mas tô anotando... rs