na edição de hoje: um disco, um livro, um podcast, um filme e uma artista.
os Estados Unidos têm um novo presidente eleito, você deve estar sabendo. risos nos últimos meses, tal qual os integrantes das campanhas dos candidatos, eu trabalhei muito pensando no dia 5 de novembro - dia da votação. mas me interessavam mais as causas e consequências dessa eleição do que as estratégias pra vencê-la. tudo o que eu fazia, de alguma forma, me levava ao assunto.
viagens pra cidades diferentes foram oportunidades de observar outros grupos demográficos. conversas com desconhecidos ajudaram a desvendar o pensamento do eleitorado americano. várias leituras diárias preencheram as dúvidas sobre pesquisas, motivações, rejeições, processo eleitoral. pouquíssimas foram as conversas que não esbarraram, mesmo que levemente, no assunto e não chegaram à inevitável pergunta: quem vai vencer?
minha mente foi inundada por todo tipo de informação voltada pra essa cobertura, e chegou ao fim dela ávida por renovação. pra reequilibrar a balança, decidi buscar conteúdos que acarinhassem meus neurônios. procurei ativamente por tudo o que me parecia ser uma fonte de beleza.
eu comecei minha jornada de re-energização intelectual com a dica acima, que meu amigo Henrique me mandou na véspera da eleição. amo ouvir discos inteiros. gosto de notar a intenção colocada no ordenamento das canções, prestar atenção às letras com calma, sentir os arranjos. Song of a lost world tem um nome que rende um papo bom em mesa de bar (com reflexões pós-eleitorais), e é o primeiro álbum lançado pelo The Cure em 16 anos.
eu não acompanho a carreira da banda como fã, mas gosto muito do que conheço, e me sinto profundamente comovida com tudo o que ouço deles. e esse disco novo, lançado no dia 1 de novembro, é viciante e, realmente, muito bonito.
ouvi as oito canções seguidas vezes tentando escolher uma favorita, mas a cada escuta fui tendo mais certeza de que elas formam um bloco sonoro de 50 minutos que faz sentido assim. é um álbum que, definitivamente, me caiu muito bem, junto com a aproximação do inverno aqui no hemisfério Norte: introspectivo, elegante, sem pressa, contemplativo. essa crítica do Pitchfork tem boas análises técnicas.
o vídeo acima é do ator chileno Pedro Pascal e não apareceu na minha timeline por acaso. a gravação é do show de lançamento do disco, em Londres. a música é de 1989, ano do meu nascimento.
uma das consequências de ser jornalista em tempos de uma cobertura densa e específica é não conseguir sustentar por muito tempo - ou muitas páginas - leituras que não sejam de notícias. nos últimos dois meses e meio, eu comecei e quase terminei uma porção de livros. para citar alguns que estão agora espalhados pela minha casa à espera da leitura final: The mistery guest, Filho de Jesus, The use of photography, The emissary, Portrait of an addict as a young man…
falta pouco pro fim de cada um deles, e todos, sem exceção, são muito bons. o problema, definitivamente, não é dos livros, mas de uma mente cansada que buscou satisfação vagando de um estímulo novo pra outro, sucessivamente. não diria que minha expedição literária não deu certo porque eu li muita coisa estimulante. só que essa aventura me rendeu de herança uma lista de pendências das quais não sei se vou dar conta ainda em 2024.
bom, vamos ao que eu dei conta? quando bati o olho em The mortal and immortal life of the girl from Milan, do Domenico Startone, na livraria mais linda de Nova York, me senti em casa e deslocada ao mesmo tempo. eu adoro o autor, mas nunca tinha visto esse título dele antes. na dúvida, comprei e comecei a ler na primeira oportunidade.
o livro é o mais recente do italiano e foi publicado na Itália em 2021. chegou agora aos Estados Unidos e ao Brasil, onde ganhou o nome de Línguas, descobri depois de alguma pesquisa. tudo fez mais sentido na minha cabeça.
é um Starnone clássico: seco, ágil, sem firulas narrativas, mas cheio de reflexões. dei gostosas gargalhadas com o pequeno italiano de 13 anos que conta sobre sua obsessão pela fascinante vizinha bailarina, a menina de Milão.
marquei muitos trechos que achei inspiradores, como esse:
“a coerência não pertence ao mundo das crianças, é uma doença que contraímos mais tarde, conforme crescemos.”
foi o pensamento mais simples e impactante que eu apreendi em semanas. estava num café que encontrei por acaso, degustando cada frase quando fui nocauteada. e é assim durante o livro todo: parece uma historieta infantil, mas é uma baita de uma provocação sobre a vida e a morte.
entre um livro pausado e outro, eu revisitei diversos episódios de podcasts familiares. noto agora que, realmente, não tava dando conta de novidades. e que, de alguma forma, aquelas vozes conhecidas me mantiveram num lugar de conforto e, ao mesmo tempo, me possibilitaram ter novas percepções sobre conteúdos “antigos”.
nas últimas semanas, uma pessoa que fez muita companhia: o escritor, diretor de cinema e apresentador do podcast Talk Easy, Sam Fragoso. considero um privilégio poder ouvi-lo e acho que Sam é um dos melhores entrevistadores em atividade hoje em dia. isso porque ele chega profundamente preparado pra toda entrevista que faz, e também é extremamente atento e generoso.
o episódio acima é uma excelente porta de entrada pro universo dessa figura genial. e aqui tem um pouco mais sobre o processo e o método dele de entrevistar, que é aplicado com políticos, escritores, atores, humoristas, ganhadores do prêmio Nobel, uma médica que atua na guerra em Gaza, todo tipo de gente com algo interessante a ser dito.
“eu acredito que o maior elogio que você pode fazer a um entrevistado é pesquisar.”
abaixo, com muito sacrifício, eu escolhei meu episódio favorito pra indicar, de uma lista de pelo menos dez que eu poderia passar uma breve eternidade ouvindo. esse é com a diretora de cinema Ava DuVernay.
inspiração da edição
depois de maratonar Ted Lasso com atraso imperdoável, espantoso, chocante, revoltante, eu decidi me dar um descanso de séries e voltar aos filmes, porque estou com a sensação de que vi pouquíssimos nesse ano. já estava ali na dona Apple, que arrebenta no capricho das produções, e aproveitei pra dar uma olhada no que o algoritmo me oferecia.
o que o algoritmo me ofereceu: um aluguel de cobertura triplex na mente.
o que você faria se, diante de um diagnóstico de doença terminal, tivesse a opção de deixar um clone no seu lugar pra que as pessoas queridas não tivessem que lidar com a sua morte? essa é a premissa de O canto do cisne, com Mahershala Ali no papel principal. o filme se passa num futuro qualquer onde esse serviço está em estágio inicial de testes. Camerom Turner está morrendo e planeja deixar um clone saudável como substituto. somente ele e os envolvidos no projeto sabem da troca.
o filme é belíssimo em muitos aspectos: atuações, trilha sonora, cenografia, locações, fotografia. é tudo realmente muito belo, plástico. até a forma como o futuro distópico é retratado é interessante. deu vontade de viver aquela realidade em que as ferramentas tecnológicas vão estar tão integradas ao nosso dia a dia que praticamente não vamos notá-las. parece assustador, mas é natural como tudo se apresenta no filme, pode confiar.
pensando sobre o que observo no comportamento das pessoas aqui em Nova York, me pareceu muito plausível que no futuro a gente use lentes de contato que registrem e armazenem tudo o que vemos. eu me lembro que, nas minhas primeiras caminhadas nas ruas nova-iorquinas, o maior estranhamento foi com a quantidade de pessoas que andavam nas ruas falando “sozinhas” num volume consideravelmente alto de voz.
com o tempo, notei que as pessoas não falavam sozinhas, claro. elas faziam reuniões, conversavam, brigavam, fechavam negócios, riam, sempre portando seus pequenos fones de ouvido sem fio, muitas vezes impercepíveis sob gorros, bonés e cabelos cheios. foi uma percepção de novo comportamento que me marcou muito. e que me fez achar bem razoável o futuro do filme.
O canto do cisne é um longa bem linear, com um final interessante. vale mais pelo meio do que pelo desfecho em si. talvez ele não aparecesse aqui nessa newsletter como indicação se eu não estivesse buscando, pra variar, algo mais tranquilo, bem executado e sem rompantes. é um bom filme mediano pra refletir com calma sobre a nossa existência.
aviso: vou falar sobre Ted Lasso em outra edição. e também sobre Disclaimer. as duas séries estão na Apple. quem não tiver visto ainda, recomendo que veja porque talvez eu traga spoilers na próxima edição!
um lugar para conhecer
essa é a foto do quadro completo cujo recorte abre essa edição. ele está exposto no Met, o Metropolitan Museum of Art, em Nova York. a autora é uma artista dominicana baseada aqui na cidade, Firelei Báez.
a obra retrata Lauren Olamina, personagem de um livro da autora americana de ficção científica Octavia Butler. Olamina é uma heroína na Califórnia de 2024, imaginada no início dos anos 1990: tomada pelas consequências das mudanças climáticas e da extrema desigualdade social. a criação de Báez é composta de diferentes materiaisque compõem as colagens, e referências, como o folclore caribenho.
nessa obra, ela retrata a jovem Olamina numa posição de relaxamento, inspirada numa fotografia do grupo pró-direitos civis Freedom Riders. a artista diz acreditar que momentos de calma são sinais incríveis de poder, coragem e graça, e também lembretes da importância do autocuidado em momentos de grande perigo.






eu sou uma pessoa que se adapta fácil. tenho minhas preferências, mas não sou fanática com nada. eu acho. dito isto, existem poucos lugares que eu acho especiais e insubstituíveis. esse museu é um deles. passeei por algumas horas, numa segunda-feira de folga, procurando as obras que já vi várias vezes e atenta às novidades, como Firelei Báez.
desde que eu cheguei, não tinha ido ao Met. estava esperando. nada e tudo, ao mesmo tempo. finalmente, chegou a hora do nosso reencontro, de me perder e me achar nas galerias que sempre fazem eu me sentir revigorada.
obrigada pela companhia. enquanto a próxima edição não chega, nós podemos conversar lá em @vivi_dacosta. é onde eu compartilho mais sobre as minhas inspirações, a vida e as oportunidades que eu observo por aí. aguardo suas opiniões e sugestões.
dicas anotadinhas...