na edição de hoje: uma apresentação musical, um livro e um filme.
eu tenho alguma dificuldade em consumir vídeos na internet. o TikTok nunca me pegou. nas outras redes, quase sempre eu pulo os vídeos ou salvo pra ver depois os que parecem interessantes. sempre achei isso curioso e comecei a prestar atenção a essa característica minha pra tentar entendê-la. eu adoro tentar entender por que eu faço as coisas que eu faço.
sempre achei esquisito trabalhar com televisão e não me sentir tão atraída por vídeos. até que eu percebi que o problema não é o formato, mas o contexto. diariamente, meu ofício exige agilidade pra cumprir os prazos apertados de entrega. é que o jornalismo quente, factual, dita o ritmo acelerado. fora disso, eu flerto mais com o conceito da atenção plena, e prefiro consumir vídeos não-jornalísticos com calma.
gosto de capturar o máximo possível de um conteúdo audiovisual pra chegar perto da compreensão total da mensagem: cortes, ângulos, áudio, trilha, cores, tudo conta um pouco da história. e, no celular, dentro do transporte público, com mais várias notificações e distrações, é difícil prestar atenção - e captar a essência do recado.
essa preciosidade acima, por exemplo, TEM QUE ser apreciada nos mínimos detalhes. Doechii é uma rapper americana, de 26 anos, natural da cidade de Tampa, na Flórida. o Tiny Desk Concerts é um projeto da rádio pública americana NPR que existe desde 2008, embora tenha ganhado tração entre o grande público mais recentemente.
Doechii escrevia poesia e rap aos 18 anos. começou a carreira de maneira independente, até assinar com uma grande gravadora em 2022. o primeiro disco lançado nessa nova fase profissional, Alligator bites never heal, já rendeu a ela alguns prêmios e, no próximo Grammy, dia 2 de fevereiro, ela vai concorrer em três categorias: revelação, álbum de rap e performance de rap.
o Tiny Desk Concerts nasceu de maneira despretensiosa, com a cantora Laura Gibson se apresentando atrás de uma mesa de escritório, na sede da empresa, em Washington. e é como funciona até hoje. os artistas têm o mesmo espaço e a mesma estrutura à disposição pra fazer o que eles nunca fizeram.
e, na vez dela, Doechii serviu um espetáculo completo. com uma equipe de 10 mulheres, ela entregou uma apresentação inventiva, que mistura rap com jazz, hip-hop e rock. o visual é impecável, com inspirações no estilo preppy, que seria algo como um esportivo retrô, mas muito charmoso e descolado.
as letras são críticas, praticamente sempre. questionam a indústria musical, refletem sobre questões existenciais e emocionais, abordam a identidade da mulher negra. muitas têm uma pegada sarcástica e provocadora que transborda na atitude da artista.
recomendo assistir à apresentação numa televisão e deixar o celular bem longe pra uma plena apreciação.
aproveita que o celular vai estar fora do seu campo de visão e já emenda uma leitura pra completar a higiene mental. que tal? longe de mim demonizar os nossos demoníacos aparelhinhos, mas é gostoso demais curtir a vida fora da telinha pequena.
muito ouvi falar sobre os livros da paulista Mariana Salomão Carrara nos últimos anos. naquelas coisas da vida de “depois eu leio”, fui não lendo. até que um título chamou a minha atenção: A árvore mais sozinha do mundo. quando a
comentou sobre o livro aqui eu fui realmente convencida a lê-lo. vale muito ver o que ela achou da leitura, a partir de 30:38.“os humanos às vezes têm essa desvantagem de acreditarem uns nos outros.”
o livro não é narrado por humanos. ele é narrado por observadores de humanos, que vivem em função daqueles seres que os usam. conhecemos uma família inteira pelo olhar dos objetos que os cercam. no sul do Brasil, mãe, pai e três filhos vivem e trabalham numa plantação de fumo, e são afetados de diversas formas pelo veneno usado na lavoura.
os seres inanimados que apresentam a história nutrem sentimentos pelos humanos, são influenciados pela dinâmica da família, e sofrem por não poder fazer nada. mas eles observam e contam essa história. e assim, atentos, fazem mais por eles do que outros humanos. é uma história melancólica, mas belamente escrita por Mariana Salomão Carrara.
ainda não terminei, mas estou tão envolvida e bem impressionada que já providenciei minha carteirinha do fã-clube da autora.
nessa semana que passou, comecei firme a minha missão rumo ao Oscar. dos dez indicados a melhor filme, já vi cinco, incluindo O Brutalista, sobre o qual vou falar quando estiver em cartaz no Brasil. spoiler: filmaço! e vi algumas outras obras que estão concorrendo em outras categorias.
uma delas foi A verdadeira dor, do Jesse Eisenberg. a estreia oficial no Brasil é no dia 30 de janeiro, amanhã. eu vi aqui no streaming, mas acho que vale a ida ao cinema.
o filme concorre a melhor roteiro original, e Kieran Kulkin, o eterno e icônico Roman Roy, concorre como ator coadjuvante. Benji e David Kaplan são primos que saem de Nova York rumo à Polônia pra conhecer a casa onde a avó deles viveu durante a infância. os dois são absolutamente diferentes em tudo, mas têm uma conexão afetiva que faz as coisas funcionarem.
já na Polônia, eles se juntam a um grupo de excursão agendado pelo organizado David. há tensão entre eles. Benji faz muitas intervenções na dinâmica pré-estebelecida pelo guia da viagem, e apesar de serem muito sinceras e bem-intencionadas, elas causam um desconforto imenso no primo certinho.
o filme é sobre traumas e é muito divertido. numa das cenas que mais simbolizam essa capacidade do roteiro de transformar a dor em riso, Benji decidi tirar uma foto posando em uma estátua do período soviético. David se recusa a se juntar a ele e diz que está muito bem, obrigado, fotografando a estátua à distância, como todos os outros. mas a ideia de Benji é bem aceita pelo grupo do qual os dois fazem parte e, rapidamente, todos se juntam a ele, fazendo poses e encenando papeis de soldados e médicos nas trincheiras da guerra. David, incapaz de relaxar, fica de fotógrafo da turma.
Benji é sempre quem questiona o que está dado, quem propõe outro olhar. eventualmente, ele causa incômodos e é confrontado. mas também consegue causas reações inesperadas e surpreendentes nas pessoas. em determinado momento, David tem uma catarse e confirma o que fica claro desde o começo: ele sente ressentimento pelo primo.
visualmente, o filme é lindo, tem uma fotografia suave, que permite a apreciação das belas locações, mas que, principalmente, destaca as atuações. a trilha sonora recheada do polonês Chopin foi uma grata surpresa pra essa não-tão-fã-assim de música clássica aqui.
sei que maratona de Oscar é mais fácil pros que estão no frio do Hemisfério Norte, mas eu confio nos meus cinéfilos latinos pra me fazerem companhia nessa. mandem dicas nos comentários!
obrigada pela companhia. enquanto a próxima edição não chega, nós podemos conversar lá em @vivi_dacosta. aguardo suas opiniões e sugestões.
Tão gostoso ler o que a Vivi escreve! 😍
Companheira de hemisfério norte e imigrante aqui tb! Já assisti Conclave e adorei! Ralph Fienes e Stanley Tucci estão maravilhosos e o filme tem uma tensão subterrânea que deixa a gnt mto preso, sabe?