na edição de hoje: um livro, um artista plástico, uma série, um quadro de telejornal da TV aberta, uma exposição e um restaurante. tudo muito carioca.
entre admiradores e detratores, não faltam opiniões sobre o Rio de Janeiro. eu mesma, que sou mais apaixonada do que qualquer outra coisa, tenho meus momentos de crise opinativa. o Rio se tornou minha casa quando eu era uma bebê e me fez carioca pro resto da vida. o sotaque entrega e o estilo de vida arremata: eu falo chiado, troco esses por erres - mermo - e acho que qualquer dia de sol é também dia de praia.
eu morei a maior parte da vida na Tijuca e, hoje, vivo na Zona Sul. isso é o suficiente pra que a minha experiência de Rio tenha muitas nuances. a geografia carioca reflete a divisão brutal em muitos sentidos: econômico, social, cultural, racial. todo lugar é múltiplo, mas ouso dizer que o Rio de Janeiro é múltiplo e complexo na mesma medida. cada travessia de túnel revela uma cidade.
pra mim, um dos melhores jeitos de acessar essa complexidade é mergulhando fundo nas histórias e vivências das pessoas. no começo do ano, uma amiga me entregou um livro e disse: acho que é a sua cara. era o Via Ápia, do Geovani Martins. realmente, era a minha cara. e foi uma minhas leituras favoritas de 2023 - e a que eu mais revisitei e indiquei durante o ano. eu acho que quem vive no Rio, e quem tem vontade de conhecer mais a cidade, precisa ler esse livro.
“Douglas tem vontade de quebrar tudo quando entra nos edifícios. Os vasos, quadros, espelhos, tudo. Não que tenha vontade de sair do morro, viver aquela vida. Mas acontece alguma coisa toda vez que vê aqueles ladrilhos que formam desenhos, os corredores impecáveis, as portas de madeira boa, a lixeira perfumada com lavanda, que ele sente ódio de verdade.”
os diálogos me conquistaram de cara. a escrita é encadeada, tem ritmo, te coloca dentro das situações. às vezes, parecia que eu estava ouvindo bem de perto os papos dos personagens. dei muitas risadas com os cinco meninos da Rocinha que Via Ápia me apresentou: Wesley, Washington, Douglas, Biel e Murilo. em poucas páginas, eu já estava totalmente envolvida e querendo saber o que ia acontecer com aquele grupo às vésperas da instalação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na comunidade, em 2012.
o livro também provoca muita revolta. ele expõe - com naturalidade, o que eu acho um grande feito - as desigualdades e as divisões da Cidade Maravilhosa. eu me deparei com situações que ainda acontecem todo dia, que são tão parte da rotina carioca que parece que sempre estiveram aqui e que, infelizmente, sempre vão estar. é um livro inquietante, que não me deixou no mesmo lugar em que eu estava quando comecei a ler. mas também é um livro saboroso, com senso de humor meio debochado, um livro que é, sim, puro suco de Rio.
na mesmíssima categoria está a série documental do globoplay Vale o escrito - A guerra do jogo do bicho. eu maratonei em dois dias, vidrada. parece ficção, mas não é. quem vive no Rio com certeza está acostumado às mesinhas de jogo do bicho que se espalham pelas ruas, bem organicamente, como se fossem extensões das montanhas que emolduram a cidade. mas nem todo mundo sabe exatamente o quão infiltrado na sociedade o jogo do bicho está.
e é isso que a série conta, com um trabalho de pesquisa fenomenal, e com os personagens principais da história em primeiro plano, relatando em frente às câmeras - muitos, pela primeira vez na vida - suas trajetórias. você terá sentimentos ambíguos. é um registro fenomenal da História que constrange quem assiste. o primeiro episódio está disponível gratuitamente na plataforma, e os outros seis, só pra assinantes. vale a assinatura!
a série apresenta personagens icônicos da cena carioca, e é muito interessante assistir a essas pessoas falando. mas eu quero deixar aqui uma sugestão pra você conhecer personagens não tão famosos assim, mas que são fundamentais pro Rio ser o que é. toda sexta-feira, no RJTV 1ª edição, o quadro Relíquia conta histórias de moradores de comunidades (da cidade e do estado) que são as joias daquela região.
eu assumo que sou suspeita pra fazer essa indicação porque a repórter que criou e faz o quadro é minha amiga, a Maria Carolina Morganti. mas eu garanto que o trabalho dessa legítima cria de Bonsucesso vale a audiência e o clique. a Maria tem um ouvido generoso e atento, e abre espaço nesse projeto pra pessoas que quase nunca são reconhecidas pelo chamado grande público; além de dar destaque ao lado bom de regiões da cidade que são marginalizadas e, frequentemente, retratadas apenas pelo viés negativo.
meu episódio favorito é o que conta a história do Itamar Silva, um morador que é relíquia do Santa Marta. ele é uma figura encantadora, o que já seria o suficiente pra assistir ao episódio. mas, além disso, as imagens da favela são lindas e ainda tem um detalhe que conquistou a nascida em 6 de janeiro. depois de ver, me conta aqui se você sacou qual é!
inspiração da edição
sempre que eu tiro férias, um dos meus compromissos é curtir um dia pela região central do Rio, que eu amo e frequento pouco por causa da correria da vida. em outubro, eu fui visitar, finalmente, a principal mostra do ano de um dos museus mais importantes da cidade. Funk: um grito de ousadia e liberdade é aquele tipo de indicação que você resume assim: “tem que ir”.



a exposição está em cartaz no Museu de Arte do Rio até agosto de 2024. é um passeio pela história do surgimento do funk e dos impactos dele além da música. é o funk como estilo musical, mas, principalmente, como forma de expressão de existência. é uma mostra bem completa, com muita informação histórica e obras de arte lindíssimas.
eu quero destacar um artista plástico que tem obras expostas na mostra porque ele é incrível, e também é o responsável pela capa do livro Via Ápia: Maxwell Alexandre. aos 33 anos, nascido e criado na favela da Rocinha, é um expoente da arte contemporânea brasileira. no site, a segunda frase da bio do Maxwell é: “De berço evangélico, o artista serviu o Exército e foi patinador de street profissional por 12 anos”. a última diz o seguinte: “Maxwell considera suas obras orações e seu ateliê um templo”.
dá pra passar uma edição inteira da newsletter falando sobre a produção artística dele, que foi escolhido o homem do ano na cultura pela revista GQ. mas vou deixar você descobrir mais sobre essa relíquia por conta própria.


o MAR fica na Praça XV e funciona de terça a domingo, das 11h às 18h. o ingresso custa R$ 20. consulte o site pra se informar sobre meia entrada e gratuidade. e leve o celular carregado porque a vita do terraço do museu é linda!
ah, nesse mês, eu vou tirar mais uns dias de férias e já estou me programando pra fazer o tour Circuito histórico de herança africana, do Instituto dos Pretos Novos. muitas pessoas já fizeram, amaram e me recomendaram. aguardem meu relato em breve.
um lugar para conhecer
no mesmo dia que for visitar o MAR, você pode aproveitar pra conhecer o celeste, que abriu há pouco tempo, na rua do Lavradio. foi o que eu fiz e amei. em condições normais de temperatura, dá pra ir caminhando de um lugar ao outro. a proposta do restaurante é ser um listening bar, gênero novo que está começando a ganhar espaço aqui no Rio e em São Paulo.



a ideia é ser um lugar com clima mais intimista, pra você vai pra ouvir uma seleção especializada de músicas. como eu fui na hora do almoço, foquei nas comidas e na caipirinha com o nome da casa, que é sucesso absoluto. feita com cachaça, soda artesanal de caju, suco de laranja e angustura bitter, é refrescante e tem personalidade, a cara do verão.
sobre as comidas, estavam impecáveis. fui com uma amiga e dividimos duas entradas: carne cruda e croqueta de rabada. saborosíssimas! de prato principal, eu comi o papardelli ao pomodoro, guancciale e pecorino, que estava divino. destaque pro sabor e pro ponto da massa, bem levinha. não é pra menos, o celeste é inspirado na culinária italiana tradicional, de gente reunida ao redor da comida. perfeito! ✨



o restaurante é do mesmo dono do Lilia, que fica ali pertinho, na rua do Senado, e vale a visita e um post só pra ele. quem conhece a casa (tem também no CCBB), ou os Labutas (mar e braseiro), sabe que a excelência é critério fundamental. o bartender Frederico Vian, dono do Vian, em Ipanema, também é sócio do celeste. uma curiosidade: o nome é o da avó de um deles!
obrigada pela companhia. volto daqui a 15 dias. aceito sugestões, impressões, críticas. elogios também são sempre bem-vindos! 😉
lá em @vivi_dacosta eu compartilho um pouco mais sobre minhas inspirações e minha própria vida. não sou uma usuária muito frequente, mas dá pra gente trocar boas ideias. 😎
Quero ler Via Apia e assistir a séria da globoplay. Eu amo o RJ, apesar de todas as loucuras que encontramos na cidade. Queria retornar para ver a exposição. beijos!
Adorei as dicas cariocas. Fui na exposição do funk em outubro e amei. Vibrante demais. E estou terminando Vale o escrito, cada episódio é um “não é possível”!