na edição de hoje: um livro do filósofo discreto que lê muito bem o nosso tempo, o andamento da minha maratona do Oscar e um texto sobre ausências, lacunas e escritoras fantásticas.
muitos leitores se inscreveram na newsletter desde a última edição, o que me deixou feliz e inspirada. aos novos companheiros forasteiros: sejam muito bem-vindos! gosto de nutrir esse espaço pra que ele seja como uma arena de debates. eu jogo uns assuntos daqui, você responde daí e a gente vai conversando.
diante desse movimento de chegada de novas pessoas, tive vontade de me reapresentar: meu nome é Viviane, eu sou muito observadora e analítica. eu acredito piamente nas expressões culturais como caminho pra uma existência mais plena. sou carioca, nascida na Paraíba, e atualmente moradora dos Estados Unidos da América - que elegeram, de novo, Donald Trump como presidente. impossível ignorar o quanto isso molda minha experiência como expatriada em Nova York.
sou jornalista há 15 anos e nunca vivi uma mudança social tão grande sob uma perspectiva tão única. tenho prestado atenção redobrada às pessoas, lido e ouvido de tudo um pouco, e trazido pra cá algumas das ideias que me rondaram nos últimos meses. mesmo quando isso não fica explícito. é meio óbvio que a realidade que eu tenho vivido influencia minhas escolhas de livros, meus sentimentos diante de obras cinematográficas e minha escuta de mundo. mas o senso comum tem apresentado nuances ligeiramente surpreendentes, então, não custa nada reforçar.
há alguns dias, comprei um novo leitor de livro digital porque o meu estava tão velhinho que custava a passar as páginas e travava pra ligar e desligar. o recém-chegado é lindo e ligeiro, como eu queria. aproveitei a novidade e escolhi um livro que estava à espera na biblioteca há algum tempo (porque sabia que ia ser denso e precisava de um estímulo extra pra lê-lo): Infocracia - digitalização e a crise da democracia, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.
“A democracia é lenta, prolixa e tediosa. A propagação viral de informações, a infodemia, prejudica, assim, de modo massivo o processo democrático. Argumentos e fundamentações não cabem em tuítes ou memes que se propagam e multiplicam em velocidade viral.”
demorei a me encontrar com o “novo filósofo favorito da internet”, como definiu a New Yorker nesse perfil que vale a pena ser lido pra entender melhor essa figura tão popular. e a espera valeu a pena. pulei os títulos mais badalados dele e fui direto nesse que fala sobre o impacto das mídias eletrônicas e digitais na ruína da democracia. é um texto curto, com muitas referências e conceitos reunidos, e eu precisei fazer pausas e pesquisas ao longo da leitura pra absorver o máximo possível do cenário que Han descreve como sendo o que vivemos.
ele cita algumas vezes a primeira eleição de Donald Trump e, pra mim, revisitar causas e efeitos desse “acontecimento” à luz do retorno dele foi bastante revelador e provocador. mais do que apontar dedos à mídia que sucumbe - novamente - à estratégia dominadora de um narcisista, me vi elaborando alternativas pra chacoalhar esse debate. quais são os caminhos possíveis pra que o resultado final - uma sociedade mais equalitária e saudável - seja baseado em troca de ideias em vez da imposição de dogmas?
Han não oferece soluções, tampouco eu. mas me ver instigada a voltar a acreditar no diálogo deu ao meu começo de 2025 um colorido que tava faltando. não é uma questão de otimismo vazio, mas de disposição pra fazer movimentos que contribuam pra avançar algumas casas no tabuleiro da mudança.
dos dez indicados a melhor filme no Oscar deste ano, eu já vi sete e tô caminhando bem entre os representantes de outras categorias. tenho alugado muita coisa nos streamings daqui, pra facilitar minha vida, mas fiz questão de ver alguns longas no cinema.
um deles, claro, foi Ainda estou aqui, ao qual assisti numa das salas de projeção do MoMa, Museu de Arte Moderna de Nova York. a sessão única no dia 23 de novembro de 2024 estava lotada. eu cheguei quase atrasada porque me enrolei numa ligação com um amigo. entrei e me acomodei com as luzes se apagando, no lugar que deu.
tirando isso, só me lembro da sensação de ficar praticamente o filme inteiro com a respiração como que suspensa, esperando “algo acontecer”, e, duas horas e 15 minutos depois, quando os créditos começaram a subir, cair num choro compulsivo que até agora não sei exatamente de onde veio. penso que meu choque foi com as cenas finais, com o fim de Eunice Paiva, acometida por uma doença que afeta a memória, aquela pela qual ela lutou estoicamente, como uma sentinela, pra resgatar e preservar durante toda a vida.
tem que ver, sim. tem que propagar, sim. tem que se deixar afetar por essa obra que delicadamente nos faz olhar pro passado e ver como ele ainda nos impacta e está presente. Fernanda Torres nos agraciou com um trabalho impecável, uma atuação que evoca múltiplos sentimentos - todos os possíveis entre a admiração e a revolta. o filme é uma joia nossa, motivo de orgulho. é o meu favorito absoluto, tem toda a minha torcida.
entre os nossos concorrentes, outro que vi no cinema - e que recomendo muitíssimo que seja apreciado assim - foi O Brutalista, que estreia semana que vem no Brasil. e que tem três horas e 35 minutos de duração, com direito a intervalo no meio. é também um filme que fala sobre memória, sobre resgate e preservação da História, de histórias.
Adrien Brody interpreta o arquiteto húngaro László Toth, que passa o pão que o diabo amassou ao chegar à América fugido dos horrores da Segunda Guerra Mundial. é uma história ficcional que segue direitinho a cartilha da jornada do herói, com reviravoltas surpreendentes e uma execução magistral digna dos melhores épicos americanos.
eu vi a versão em 70mm, esteticamente muito bonita e radicalmente diferente do que estamos acostumados a consumir na telinha plastificada e cheia do filtros do celular. é uma experiência e tanto. aqui nessa página do Instituto Moreira Salles é possível ler algumas reflexões do diretor Brady Corbet, que escreveu o filme com a esposa Mona Fastvold. o longa demorou mais de sete anos pra ser executado e eu confesso que sou um pouco fascinada por projetos assim, grandiosos e minuciosamente elaborados.
os que ainda não vi: Um completo desconhecido, Duna 2 e Nickel Boys. verei todos. e comentarei sobre todos aqui, de uma forma ou de outra, antes da cerimônia, no dia 2 de março. fecho as indicações de hoje com Conclave, que não acho que deveria estar nessa lista, mas me surpreendeu e rendeu boas conversas com amigos.
pra terminar, sintetizo essa edição com um convite pra que leiam esse texto da Camila von Holdefer:
Camila é uma tradutora que eu admiro e respeito, e cujo trabalho acompanho há algum tempo. aqui no substack, ela soltou as amarras da jaguatirica que estava encoleirada e publica textos que não estão a passeio. vale cada centavo da assinatura, pode confiar.
obrigada pela companhia. enquanto a próxima edição não chega, nós podemos conversar lá em @vivi_dacosta.
se viu “ainda estou aqui”, viu o filme do oscar que importa! 😅