#36 tirar proveito do tempo
o doce desafio de saber a hora de acelerar e a de deixar a vida fluir na banguela
na edição de hoje: um livro, um podcast, um disco e um restaurante de NY com chef que é protagonista de documentário na Netflix.
essa edição marca o fim de um jejum. fazia alguns meses que eu não conseguia escrever uma newsletter no ritmo que eu considero adequado. nos meus sonhos mais ordinários, eu começaria sempre a construir o texto com dias de antecedência em relação à data de envio. e por quê? pra poder pesquisar e trazer mais referências, reler e editar até deixar tudo bem ritmado e, principalmente, curtir o processo.
eu adorei as edições que saíram mais recentemente. e isso não é um elogio sem vergonha ao resultado final, mas uma constatação sobre o trabalho de produção dessas publicações. depois que elas estavam no mundo, tive que corrigir uns errinhos de falta de revisão? sim. deixei de falar sobre alguns aspectos que gostaria de ter incluído? também. no geral, foi gostoso fazer o dava nas brechas disponíveis. existe um desafio nisso, e completá-lo é gratificante.
mas a calma faz falta.
eu vinha sentindo saudade de deixar minhas ideias dormirem e acordarem sob o escrutínio de um novo olhar - ainda que ele seja o meu próprio. finalmente, depois de um longo inverno, a primavera chegou com dias mais longos e contemplativos. respiro melhor, escrevo com mais tranquilidade. e exatamente nessa virada de clima, peguei pra ler A mais recôndita memória dos homens.
o livro foi sensação nos grupinhos literários cariocas no final de 2023. depois, bombou mais ainda quando o autor, Mohamed Mbougar Sarr, esteve no Brasil pra participar da Festa Literária de Paraty, no ano passado. até Chico Buarque se rendeu à obra. eu acompanhei o burburinho, que fez crescer minha curiosidade e interesse, mas evitei ler sobre a história escrita naquelas 400 páginas. hoje, posso afirmar que fiz bem.
no trecho acima, dois personagens conversam sobre o que seria mais triste: nascer sem visão ou perdê-la depois de tê-la tido. pra mim, é uma passagem que resume muito do que é o livro. a obra exige que o leitor esteja disposto a refletir, imaginar e reinventar os fatos que se descortinam. é uma leitura que captura, mesmo que não seja sempre confortável. prefiro não entrar em muitos outros detalhes. não porque seja difícil de explicar do que se trata, a sinopse está amplamente disponível por aí. mas porque grande parte da boa experiência dessa leitura vem da confiança de ter em mãos um grande romance, daqueles que transformam definitivamente algo dentro de nós.
Sarr recebeu o prestigiado prêmio francês Goncour e isso também é importante pra compreensão do que ele criou. suas palavras constroem uma investigação que mistura vozes, viaja de Amsterdã a Buenos Aires, passando por Dakar, e acrescentam um véu translúcido sobre as questões inerentes à própria literatura. ora parece que algo será revelado, ora temos certeza que é impossível ver através daquele invólucro. esse jogo de mostra-esconde muito me atrai na literatura porque deixa espaço de honra pro que é dúbio.
não se surpreenda se você chegar ao fim um pouco como o protagonista Diégane Latyr Faye, obcecado. eu fiquei feliz com a leitura como há muito tempo não me sentia e pesquisei exaustivamente, varando madrugadas, sobre o autor da obra, esse gênio. de tudo o que aprendi sobre ele, o vídeo abaixo (dá pra colocar legenda em português) foi o que mais me encantou. é uma reflexão muito lúcida e objetiva sobre a perpetuação e as ramificações da colonização.
Sarr é senegalês, mas escreve em francês, um impacto da influência cultural decorrente do processo colonizatório. ele fala sobre isso no vídeo e outras marcas da violência decorrente da colonização. no Brasil, a tradução do livro é do Diogo Cardoso, que criou a playlist abaixo inspirada na obra. vale ouvir entre uma pausa e outra na leitura.
demorei uns 20 dias pra ler todo o livro e, nesse período, poucas coisas que me tocaram mais profundamente nos intervalos em que eu largava o leitor digital. desfrutei do tempo pra pensar, ir, voltar, criar teorias, imaginar o que viria a seguir. até que dei play no podcast Escute as mais velhas.
não tem nada a ver com o livro, mas tem a ver, de alguma forma. o podcast é uma celebração a mulheres - mais velhas, como diz o título - com trajetórias incríveis, mas não livres de revezes. é um bate-papo muito bem conduzido pelas amigas Sueli Carneiro e Neca Setubal, que entrevistam pioneiras fundamentais pra construção de um Brasil mais igualitário e respeitoso - em diversas áreas do conhecimento, da música ao sistema judiciário.
o projeto é da Fundação Tide Setubal, produzido pela Rádio Novelo, e inspirado no famosíssimo gringo Wiser than me, que também vale entrar na sua lista de escuta. serão treze episódios nessa temporada. (torcendo pra que venham muitas outras) a publicação é semanal, os episódios novos saem às terças-feiras. eu tenho dedicado atenção especial à essa oportunidade de aprender sobre o viver, com todas as nuances que constituem nossa existência no mundo. e serei eternamente grata à Sueli Carneiro por me contar que a grande Lélia González era uma criadora de caso. sejamos todas!
mais uma coisa pra ouvir: o disco Dominguinho, encontro do trio Jota.pê, João Gomes e Mestrinho. é uma experiência musical gostosa, pra se deliciar, apreciar mesmo. o álbum tem releituras dos três artistas - e uma maravilhosa versão de Pontes Indestrutíveis, do Charlie Brown Jr. - com arranjo acústico, intimista. destaque pra parte visual do projeto, captada no Sítio Histórico de Olinda. belíssimo!
inspiração da edição + um lugar para conhecer
dias desses, finalmente assisti ao episódio 4 da terceira temporada de Chef’s Table pra conhecer a história do chef de um dos meus restaurantes favoritos de Nova York. Ivan Orkin é um aventureiro criativo, um cara inquieto que não se encaixava muito dos padrões e que encontrou no Japão o amor e muita inspiração. na verdade, vai um pouco além. o judeu americano de Long Island encontrou do outro lado do mundo uma identidade. veja o episódio pra saber mais, vale a pena!
hoje, ele é dono do Ivan Ramen, restaurante especializado em lámen/ramen, prato tradicional típico da culinária japonesa, que mistura sopa e macarrão num pote cheio de sabor. tem quem chame de miojo gourmet. rs



a primeira vez que eu provei essa delícia foi aqui em Nova York, em outro restaurante também muito bom, o Momofuku. é a pedida perfeita pros dias mais frios, embora eu esteja sempre pronta pra uma tigela caprichada. no Ivan Ramen, eu encontrei o algo a mais que eu costumo procurar nos lugares que frequento. os ramens são absolutamente espetaculares, saborosos, bem calóricos e intensos, como tem que ser.






além disso tudo, eu ainda sou mimada. rs alguns funcionários me conhecem, dada a frequência mensal com que dou as caras no estabelecimento, e sabem meus favoritos do cardápio. com o Jimmy, eu converso sobre cinema e, vez ou outra, ele até me dá alguma cortesia. é comida de primeira qualidade com bônus. como não amar? recomendo que você faça reserva antes de ir, principalmente, se for à noite. acho os preços justos, embora tudo em Nova York esteja caro, de forma geral. aqui dá pra conferir o cardápio. lembre-se de me convidar!
obrigada pela companhia. enquanto a próxima edição não chega, você pode ler essa crônica que enviei em janeiro pros assinantes pagos da newsletter e que, agora, tá liberada pra todos gratuitamente. os textos chegam mensalmente à caixa de entrada de quem contribui financeiramente com esse projeto aqui.
acabou a fofoca
esse texto foi escrito depois que eu me mudei pra Nova York e decidi transformar em crônicas minhas experiência na cidade. as edições são enviadas quinzenalmente e ficam disponíveis, primeiro, para q…
se você gosta do que eu produzo, que tal compartilhar com o mundo?
esse disco "dominguinho" é uma joia!
Gente, essa edição de colecionador! Está afiada, amei! É muito legal ver você repensando o tempo numa newsletter que já fala que é feita sem tempo. E eu sou do time que chama de miojo gourmet!