esse texto foi escrito depois que eu me mudei pra Nova York e decidi transformar em crônicas minhas experiência na cidade. as edições são enviadas quinzenalmente e ficam disponíveis, primeiro, para quem apoia financeiramente a newsletter.
minha locomoção pela cidade é feita, 97,3% das vezes, a pé ou de metrô. estatística baseada em fatos reais. em dez meses como nova iorquina, só peguei ônibus uma vez. foram menos de 10 corridas com carro de aplicativo por minha conta. de táxi, eu me lembro de duas ou três viagens.
contrariando as más línguas, isso diz muito sobre o serviço de metrô de Nova York. sou praticamente sócia da MTA. e acabo não me interessando tanto quanto seria de se supor por esse transporte tão característico da cidade. é o raro que captura meu interesse.
gosto mesmo é de observar os motoristas das ruas, em vez das figuras exóticas dos trilhos. acontece que hoje em dia são raros os motoristas que conversam com os passageiros. conhecer um de Bangladesh que entende português, já visitou o Rio e a Bahia, então… é tipo gastar a sorte da loteria. a imensa maioria deles tá sempre de fone de ouvido conversando em suas línguas maternas e, suponho, com gente mais interessante. uma pena.
Muntasir, outro dia, falava um idioma que não reconheci. e falava cochichando. as palavras saíam bem baixinho mesmo, de um jeito que demorei uns minutos pra notar o que estava rolando. pra piorar, o rádio reverberando Justin Bieber me atrapalhava. apurei a audição e me concentrei. talvez tenha inclinado o tronco ligeiramente pra frente e esticado o pescoço. eu precisava daquela fofoca.
a voz que escapulia do fone de ouvido dele pros meus ouvidos era melodiosa e suave. parecia uma mulher. a pessoa falava muito mais do que ele. conclui que ela também sussurrava, mas já não sei se eram mesmo sussurros ou só a baixa qualidade do som que eu conseguia captar ou puramente meu desejo criativo.
ele ria, de tempos em tempos. aquela risada marota que responde a uma sacanagem leve. mas também não dá pra descartar que fosse aquela risada boba que entrega a paixão. ou talvez aquela risada constrangida de quem fez merda e tá tentando ganhar tempo pra uma boa desculpa.
eu estava começando a elaborar uma tese quando chegamos ao meu destino. fiquei arrasada quando ele agradeceu e me desejou boa noite. saí do carro resignada, pensando em como era bom saber sobre a vida inteira de um desconhecido no intervalo de 20 minutos entre um ponto e outro. hoje em dia, com sorte, o máximo que uma corrida de carro rende é uma crônica.
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