estiquei os braços ocupados com as três caixas de encomendas pra segurar a porta do elevador. ele entrou, com o celular tocando loucamente no bolso, sorriu, e disse: “doce”.
ao mesmo tempo, apertou o botão do 12º andar.
“aqui eles não têm o 13º”, pensei mas não falei. demorei meses pra perceber a ausência. e fiquei chocada quando me dei conta dela. é muito a cara desse país comercializar uma superstição.
perguntei de onde ele era. disse que veio do México e completou com: “rain, lá fora”, com a roupa impermeável coberta de respingos de chuva. concordei com a cabeça, contei que era do Brasil. ele apontou pra mim: “Brasil?”. respondi que sim.
há mais de 11 milhões de pessoas trabalhando sem documentação regulamentada, hoje, nos Estados Unidos, segundo os dados mais recentes do governo americano, que são de 2022. alguns estudos afirmam que o número verdadeiro pode ser o dobro desse. estimativas indicam a região metropolitana da cidade de Nova York como a que concentra o maior número dessa população: mais de um milhão de pessoas.
do total que vive no país, dois terços chegaram aqui sabendo pouco ou nada de inglês. são muitos os imigrantes que não dominam o idioma oficial. eles trabalham como entregadores, motoristas de aplicativos, montadores de móveis, ocupam vagas para as quais há muita demanda e que não exigem qualificação profissional.
notei que o destino dele estava chegando e desejei:
“buenas noches!”
“igual.”
ele fez uma pausa breve.
“¿cómo se dice en inglés?”
“¿buenas noches?”
ele acentiu.
“good night.”
ele sorriu de novo pra mim e saiu apressado com a mochila enorme onde carregava as entregas.
eu desci dois andares acima, que é o 15º porque não tem o 13º, com os olhos cheios de lágrimas. é difícil não conseguir falar a língua de um lugar. a sorte é que, muitas vezes, um sorriso pode substituir as palavras.
esse texto é parte de uma série de crônicas que eu escrevi depois que eu me mudei pra Nova York. os envios serão quinzenais a partir de hoje e estarão disponíveis para quem apoia financeiramente meu projeto de escrita. hoje, todos estão recebendo pra conhecer essa nova empreitada por aqui.
se você gostou, que tal enviar pra algum amigo que também pode se interessar?
obrigada!
me cativou, assinei. quero voltar a ler cronicas, viajar na escrita. que delicia
deve ser um tanto desesperador morar num lugar sem saber a língua, sobretudo neste caso, que coincide com o idioma dito universal.