essa crônica foi escrita depois que eu me mudei pra Nova York e faz parte das edições que são enviadas quinzenalmente, primeiro, para quem apoia financeiramente a newsletter. hoje, estou compartilhando a íntegra com todos os inscritos pra que conheçam o projeto. boa leitura!
respirei fundo quando saí da estação de metrô. depois de um mês de férias fora da cidade, eu precisava sentir o cheiro do vento gelado pra entender que eu estava em Nova York de novo. meus pulmões também precisavam de ar depois de vencerem dois longos lances de escadas arrastando mais de 40 quilos de bagagem degraus acima.
coloquei as malas perto de mim na calçada e fiquei alguns minutos parada ali, observando o movimento e respirando, antes de atravessar. atrás de mim, uma das entradas do Central Park. o Natal tinha passado, as ruas estavam lotadas de turistas. o meu apartamento fica numa área privilegiada, entre várias atrações turísticas. apesar disso, na maior parte do ano, a região é relativamente calma. em dezembro, tudo muda. o vento gelado traz com ele calor humano em forma de multidão.
nessa temporada específica de inverno, os dois se multiplicaram: o vento e a multidão. os moradores mais antigos passaram dezembro reclamando: “tem muito turista”, “nunca vi tanta gente nessa cidade”, “não tem crise no mundo, tá todo mundo viajando”. não satisfeitos, emendaram dois meses inteiros de: “nunca fez tanto frio quanto agora”, “é o inverno mais gelado desde que eu me mudei”. nessa parte da reclamação sobre as temperaturas, eles pareciam até eu, mas ao contrário. passei dezenas de verões reclamando do calor no Rio de Janeiro. e me manterei fiel à minha reclamação.
embora eu suspeitasse que sim, nunca tinha declarado oficialmente que amo o frio porque eu nunca tinha vivido o frio. agora, eu posso dizer que tive uma experiência de luxo com ele. e que nosso amor será eterno. é incômodo, meu nariz fica ressecado e sangra. gasto o dobro de hidratantes corporal e labial. adquiri itens de maquiagem coloridos porque comprei as roupas de frio em cores neutras pra otimizar (meu dinheiro). mas eu gosto.
os dias duram menos. as pessoas enchem as ruas de manhã e de tarde. e somem à noite. os ambientes fechados são mais convidativos, mas há vida fora deles, e muita!, ao contrário do que prega o senso comum. quando neva, os adultos viram crianças e vão pros parques brincar: fazem guerra de bola de neve, descem em trenós, formam grupinhos pra papear com toda aquela brancura ao redor. parece mesmo com o que eu sempre via nos filmes.
o que eu só descobri estando aqui é que o cheiro do inverno é muito específico. numa cidade com tanto estímulo sonoro e visual, minha memória mais marcante mora no silêncio invisível. no cheiro com uma densidade diferente, que invade as narinas e chega bem rápido ao cérebro. um cheiro seco, encorpado, um pouco cítrico, um pouco fresco, com uma pitada de ambiente asséptico.
pensando sobre o cheio do inverno, lembrei que o outono cheira a especiarias: canela, anis estrelado, cravo. o verão não tem o perfume de protetor solar, como no Rio. mas de asfalto, fumaça, poluição. a primavera tem mesmo cheiro de flores, o que o Rio não tem. ao completar um calendário inteiro em Nova York, percebo que, pra mim, a cidade sempre vai ter cheiro de inverno.
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Simplesmente apaixonada por essa crônica. Ao longo da vida, as minhas lembranças sempre foram muito ligadas aos cheiros. Então fui lendo, imaginando e sentindo os cheiros junto com você. Amei.
Deve ser mágico poder viver as 4 estações do ano e principalmente o inverno ❤️😘