o cara que esbarrou em mim devia ter quase dois metros de altura. o braço esquerdo dele empurrou levemente o meu direito pra frente. foi sem querer, não ficou margem pra dúvidas. mesmo assim, imediatamente, ele se virou pra trás, pediu desculpas e explicou: “estou indo ali na frente encontrar meu amigo”. fiz um movimento de cabeça como que dizendo “tudo bem” e continuei parada no meu metro quadrado de chão.
eu tinha comido o cachorro-quente às pressas do lado de fora pra evitar a confusão e o empurra-empurra do lado de dentro. e não comprei bebida também. pra minha total surpresa, um tempo depois de entrar, notei que poderia ter comido ali quantos lanches quisesse sem nenhum incômodo. também poderia ter levado uma bolsinha pequena com meu hidratante labial e minha carteira, em vez de ter enchido os bolsos com o, supostamente, básico.
curti o show de abertura perto do palco porque tinha espaço, mas longe o suficiente pra não ser esmagada quando a pista enchesse. não ia dar esse mole, né? fiquei hipnotizada pelos detalhes do cenário e do figurino. a voz cristalina da Willow ecoava ao meu redor e parecia que eu estava sozinha no salão. fechava os olhos, sentia a vibração da música, era um refúgio de paz.
a apresentação terminou e notei os lugares nas arquibancadas sendo ocupados lenta e continuamente, mas o barulho dentro do estádio não acompanhava o volume crescente de gente. achei curioso isso. talvez o público estivesse só esperando a apresentação principal pra explodir em êxtase.
não estava.
o show principal começou com uma aparição inesperada de Childish Gambino atrás da plateia que estava na pista. tinha um palco menor ali. a multidão se movimentou nessa direção como se fosse um grupo pequeno, de forma animada, mas quase que coordenada. depois, acompanhou o deslocamento do rapper até o palco principal, passando perto de quem estava na arquibancada.
a agitação era contida. mas não de um jeito intencional. as pessoas estavam naturalmente na delas. pulando, cantando, dançando, até interagindo, mas sem exageros, sem vibração, sem uma troca sequer de suor entre estranhos. eu entrei num transe incrível de absorção do que estava ao meu redor naquela arena. as coreografias, as canções, as luzes, tudo que não era pálpavel me tocava profundamente. o que era físico não chegava nem perto.
voltei tranquilamente pra casa de metrô, numa terça-feira comum. no dia seguinte, na hora do almoço, contando pra uma amiga sobre o show, vi Donald Glover na fila do café. só podia ser uma alucinação provocada pela arte.
não era.
ele foi simpático diante da abordagem nada comum. na despedida, demos um aperto rápido de mãos. ninguém mais saiu dos seus próprios metros quadrados. ninguém mais pareceu se emocionar com a mágica acontecendo ao redor. eu finalmente entendi porque a plateia brasileira é a mais amada do mundo.
esse texto foi escrito depois que eu me mudei pra Nova York e decidi transformar em crônicas minhas experiência na cidade. as edições são enviadas quinzenalmente e ficam disponíveis, primeiro, para quem apoia financeiramente a newsletter.
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o brasil tem mesmo vocação para festa. não é por acaso que nada se compara ao nosso carnaval…