esse texto foi escrito depois que eu me mudei pra Nova York e decidi transformar em crônicas minhas experiência na cidade. as edições são enviadas quinzenalmente e ficam disponíveis, primeiro, para quem apoia financeiramente a newsletter.
correr é um verbo. mas também pode ser uma seita.
hoje em dia, parece que todo mundo está correndo. em Nova York, não parece. todo mundo está correndo. sempre.existe até uma expressão popular pra reforçar que, aqui, um minuto passa mais rápido do que em qualquer outro lugar do mundo. “quantos segundos tem o seu ‘new york minute’?”, uma colega de trabalho me perguntou assim que eu cheguei.
eu, que sempre andei correndo, um hábito que peguei no meu pai, logo me acostumei ao ritmo frenético das ruas, às pessoas que te atropelam se você estiver muito contemplativo ou parado no meio do caminho. talvez eu seja um pouco uma dessas pessoas? só sei que tirei essa dinâmica rotineira de letra.
o que me surpreendeu foram os outros corredores. aqueles seres que, também como eu, praticam corrida de rua como exercício físico. aqui, eles são selvagens. aqueles nova-iorquinos mitológicos e apressados das ruas são fichinha perto dos corredores do Central Park.
os atletas amadores levam a corrida a sério aqui. eles correm rápido, são fortes. o parque tem muitas ladeiras. eu gosto, mas é desafiador. e pode ser humilhante. já fui ultrapassada numa subida por um pai que empurrava um carrinho de criança enorme. outro corredor ultrapassado, que tava perto de mim, me olhou e disse: “uau, né?”. era o máximo que dava pra pronunciar sem perder a categoria. eu concordei com a cabeça e nós seguimos.
outro dia, sofrendo de dor, eu me vi fazendo força numa reta para ultrapassar um cara que tinha me ultrapassado um pouco antes. sem necessidade, eu sei. mas o espírito competitivo passou a se manifestar do nada em mim, desde que eu comecei a correr aqui. é como se eu percebesse o foco de quem tá do meu lado e quisesse fazer o meu melhor também.
também tem um lado fofo nos corredores do parque: a gente se incentiva. é comum as pessoas trocarem gritinhos, olhares, acenos, até algumas poucas palavras sobre o clima, o trajeto, o próprio desempenho ou o alheio. há uma cumplicidade aqui que eu não tinha reparado, antes, entre estranhos de outros lugares onde eu corri.
tenho me tornado uma corredora diferente. continuo sendo da turma que acha que pace bom é o pace possível em cada dia. mas hoje eu forço um pouco mais, eu tento ir além do que eu já fui, eu busco caminhos desafiadores porque eu sei que vai ter gente correndo neles pra me inspirar. dar um gás e sentir o músculo arder de esforço se tornou mais fácil pra mim.
eu corro por prazer, e eu acho que a corrida é uma escolha de vida. é como eu gosto de me manter em movimento físico e mental. e Nova York moldou a corredora que eu me tornei. eu cheguei aqui com o estereótipo do americano médio, sedentário, em mente, e encontrei uma turma diversa e disposta, que me influenciou entre uma passada e outra. e desbloqueei uma habilidade que eu ainda não tinha quando corria: me tornei competitiva. com os outros e com versões minhas passadas.
correr é uma seita. mas também é um verbo de ação.
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A cada dia, sinto mais vontade de entrar na seita dos atletas amadores. Quem sabe um dia… 🙃
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