na edição de hoje: uma reflexão sobre livros e bibliotecas, um episódio de podcast, um convite pra mudar a realidade, uma série e uma cidade americana encantadora.
cá entre nós, eu sei que não perdi minha edição de Torto Arado*, livro de Itamar Vieira Junior que foi a sensação literária brasileira mais popular dos últimos anos. a Viviane do passado distante, de mudança pra Nova York, doou o livro pra algum amigo. ela fez bem. mas a Viviane do passado mais próximo - dias atrás - ficou em choque quando procurou pelo livro na atual casa e não o encontrou. abriu um buraquinho de pesar no meu coração.
eu queria emprestar Torto Arado pro Jorge, que merece uma crônica só pra ele, mas que agora vai ser apresentado como um equatoriano apaixonado pelo Brasil e pela história e cultura do nosso país. a gente tava conversando sobre literatura, quando eu disse que ele precisava ler uma coisa. e prometi deixar o bendito livro na bolsa pra emprestar na próxima vez que o encontrasse. quando cheguei em casa: cadê o livro? a primeira coisa que eu pensei, foi: “não deveria ter me desfeito de nenhum dos meus livros na mudança”.
eu não cheguei a catalogar quantos livros eu tinha, mas eram centenas, e dar conta da ausência deles despertou um pouco de arrependimento. mas, tenho que admitir que doar uma boa parte da minha biblioteca carioca foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado. meus amigos e os estudantes da UFF agradecem! a logística de transporte teria sido cara, e eu já estou remontando meu acervo com muitos títulos legais.
na ocasião da morte de Umberto Eco, eu descobri que o escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano mantinha uma biblioteca com mais de 50 mil títulos (alguns registros falam em mais de 30 mil). quando ele morreu, em 2016, o acervo foi doado pra Universidade de Bolonha. eu fiquei interessadíssima na história da biblioteca dele e acabei descobrindo o conceito de “antibiblioteca”, criado pelo escritor libanês Nassim Nicholas Taleb:
“Uma biblioteca particular não é um apêndice para elevar o próprio ego, e sim uma ferramenta de pesquisa. Livros lidos são muito menos valiosos que os não-lidos.”
desde então, eu me libertei pra comprar sem culpa os livros que me interessassem, pensando que eles formariam minha espécie de Google particular (Eco sei que você era crítico rigoroso da internet, espero que me desculpe), me proporcionando a possibilidade de descobertas ao alcance da mão, dentro de casa. eu acumulei muitos livros não lidos. e tenho muito orgulho deles.
“o conjunto das bibliotecas é o conjunto da memória da humanidade”, Umberto Eco.
criei o hábito de sempre dar uma boa folheada nos livros que tenho, me inteirando das primeiras páginas e me permitindo colocar de volta na estante o que não quero continuar lendo imediatamente. uma das melhores experiências da vida é pegar na estante um livro que ficou anos esperando e acabar fazendo uma leitura incrível. eu realmente amo estar rodeada de livros, falar sobre eles e presentear com livros. penso que o conhecimento que a literatura transmite é insubstituível.
*horas antes do envio dessa edição, uma amiga me contou que tinha lido Torto Arado. achei curiosa a coincidência ao pensar no que tinha escrito e falei: não sabia que você tinha lido recentemente. ela respondeu: é, o seu. essa obra do acaso me encantou e eu vou deixar o mistério ser revelado pela nova dona do meu Torto Arado nos comentários.
a leitura foi um hábito que eu construí na infância. meus pais me incetivaram muito a ler, mesmo que essa não fosse nada a onda deles. minha mãe comprava muitos livros de coleções nas bancas de jornal: clássicos internacionais e nacionais, especiais de geografia e história, o que tivesse lá. eu me lembro de descobrir o mundo ali: lugares distantes dos quais eu não fazia ideia da existência, culturas diferentes, universos novos. meu pai dirigia horas reclamando até o Riocentro, mas ficava o tempo que fosse necessário na Bienal do Livro, rodando os mil estandes até eu ficar satisfeita. na escola, uma das minhas lembranças mais fortes é da biblioteca.
muito por isso, eu fiquei arrasada quando vi que há menos leitores de livros do que não-leitores no Brasil, pela primeira vez desde 2007. a pesquisa Retratos da leitura no Brasil entrevistou 5.504 pessoas em visitas domiciliares a 208 municípios, de 30 de abril a 31 de julho deste ano. e a gente tá lendo menos. em 4 anos, foram 7 milhões de leitores a menos. há muitas hipóteses pra essa queda, as principais são: redes sociais e pandemia. nessa edição do podcast O Assunto, Natuza Nery conversou com a socióloga Zoara Failla, coordenadora da pesquisa, e com o professor, escritor e tradutor Caetano Galindo sobre causas e efeitos desse resultado:
é urgente que a gente, que gosta de ler e entende a importância da literatura pra construção do pensamento crítico pessoal e de uma sociedade mais diversa e respeitosa, se engaje pra inverter esse resultado no próximo levantamento. estou pensando em ideias pra estimular a leitura - principalmente entre os mais jovens - e aceito sugestões suas.
inspiração da edição
na edição passada, prometi falar sobre duas séries que me capturaram no mês passado. a primeira foi inspirada num livro de mesmo nome, escrito por Renée Knight: Disclaimer, da Apple TV.
dirigida por Alfonso Cuáron, a série tem um mote intrigante: uma jornalista bem sucedida profissionalmente recebe pelo correio um livro que revela detalhes de um episódio marcante da vida dela e que, até então, estava mantido em segredo. ultrajada pelo que lê nas páginas, Catherine é tomada pelo pavor de ter a reputação destruída.
a história começa com ares de suspense tradicional, mas vai se tornando mais complexa conforme os personagens são apresentados ao espectador, com muitas camadas e nuances. o que parecia ser uma ficção distante, se aproxima da realidade e causa desconforto à medida que coloca os valores de quem assiste também em xeque. afinal, qual versão é mais aceitável pra você?
o roteiro é muito intrigante e interessante, a ponto de superar alguns pequenos furos que passam. mas gostei mesmo da fotografia e da direção da série. as atuações são o centro de tudo e o diretor consegue focar nisso nossa atenção, trazendo à tona, em intervalos muito curtos, sentimentos conflitantes em relação a um mesmo personagem: empatia e desprezo, admiração e pena, alegria e vergonha. é pra maratonar e vir me contar aqui depois o que achou do final.
um lugar para conhecer





umas das minhas ideias, morando nos Estados Unidos, é aproveitar as facilidades logísticas pra conhecer o país nas folgas e férias. verdade seja dita, foi uma escolha muito mais prática do que sentimental, num primeiro momento. depois de instalada em Nova York, eu comecei a perceber que dava pra elaborar a minha lista de destinos com um pouco mais de emoção.
e foi assim que eu acabei indo pra Chicago. ouvi um colega de trabalhando falando que essa era a cidade mais bonita dos Estados Unidos, me lembrei de uma amiga que foi muito importante na minha virada da infância pra adolescência, e pensei: e se eu corresse uma prova em Chicago e aproveitasse pra visitar a Julinha? eu sabia que ia pra cidade a trabalho, mas num esquema que seria praticamente impossível pra fazer turismo, então, garanti meus dias de folga por lá.


Chicago é uma cidade grande, com ares de cidade pacata. minha visita foi durante o outono, com temperatura amena e dias de chuva e de céu azul. a arquitetura é um dos destaques sempre indicados a turistas, mas me encantei mais pela arte e pela culinária. essa segunda parte talvez tenha sido motivada por The Bear, série pela qual sou obcecada e que se passa em Chicago. visitei quatro restaurantes que aparecem nas filmagens - incluindo o que inspirou a obra - e todas as experiências foram muito boas.




meu restaurante preferido foi o Kasama, de chefs filipinos, com uma estrela Michelin. Manu e eu ficamos um bom tempo na fila esperando, mas estava tudo perfeito: comidas (salgadas e doces) e bebidas. o ambiente despojado, mas com personalidade e muito bom gosto, é um deleite estético pra os olhos. foi a recompensa perfeita depois de correr 21.097 quilômetros.





aquela amiga que eu citei ali em cima, a Júlia, mora nos Estados Unidos há muitos anos, e foi a primeira pessoa a comprar uma foto minha, em 2021. foi a maior foto que eu já imprimi e é filha única. ela deu o pontapé pra uma ideia que eu tinha há tempos e nunca executava. reencontrá-la deu à viagem um tom nostálgico e afetivo muito especial.




se for aos Estados Unidos, visite Chicago, faça o passeio arquitetônico de barco, visite o Instituto de Arte, tire fotos no Cloud Gate (The Bean, pros íntimos), caminhe pela orla do Lago Michigan, coma bem. em dois dias dá pra ser muito feliz na Cidade dos Ventos. e se estivere planejando uma viagem, abra espaço pra um lugar que pode te surpreender e se tornar inesquecível.
obrigada pela companhia. enquanto a próxima edição não chega, nós podemos conversar lá em @vivi_dacosta. é onde eu compartilho mais sobre as minhas inspirações, a vida e as oportunidades que eu observo por aí.
ah, eu prometi que ia falar sobre Ted Lasso aqui hoje, mas acabei escrevendo muito e deixei pra próxima. até! enquanto isso, aguardo suas opiniões e sugestões.
Ladra de livros se identificando por aqui! Roubei da pilha que ia ficar pelo Brasil depois da mudança e foi delicioso poder passear pelas marcações que você fez do livro. Ajudou até a matar um pouquinho da saudade. Mas ele agora precisa cruzar o oceano pras mãos do Jorge!
eu limitei o espaço dos livros em casa. agora, que ele atingiu a capacidade máxima, me obrigo a doar um para que outro possa entrar. tem sido uma boa experiência. livros precisam circular.